TEMPO
“LEMBRA-TE também do teu Criador nos dias da tua
mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a
dizer: Não tenho neles contentamento;” Ecl 12.1
Aquela
era uma tarde não muito acolhedora. Depois de fazer um calor escaldante, quem experimentou
que o diga, deu-se uma forte chuva, que, ao ver pela janela do 20º andar, onde morava
não se percebia mais a rua, a famosa Barão de Jaguará, mas sim um grande rio calduloso
e barrento que se formara.
Em
outras épocas o pensamento seria: “Uma chuva como esta no fim de tarde é um
convite a um cochilo”! Mas não esse dia. Com o olhar fito rua transformada em
rio, seu coração estava apreensivo. Preocupado pelo fato das chuvas anteriores terem
trazido junto a elas destruição, desabrigo, feridas, orfandade, choro e medo.
Sua
tensão acrescia das manchetes vistas nos jornais, os alaridos dos amigos
adicionavam àquele momento paúra e desconforto. Sua mente começou a se deslizar
num conhecimento que não é normal ou comum a todos os seres viventes: o
conhecimento da falibilidade, da fragilidade, da pequenez dos homens.
Entendeu
que a vida estava presa por um fio na existência, fio esse tão tênue, delgado e
quebradiço que a qualquer momento poderia se romper. Não, ele não estava com
medo daquela chuva ou da avalanche de água barrenta que transformou sua rua em
um rio ou até mesmo dos alaridos impetuosos dos trovões, seu temor se associava
à existência, ou quem sabe a inexistência, ou ainda a incerteza de uma possível
crença na realidade eviterna chamada vida eterna.
Persuadido
a ausentar-se da janela, sua alma o arrebata para o silêncio da sala. Mas,
aquele silêncio não era próprio da sala, pois nem mesmo a televisão que estava
ligada não lhe era perceptível aos ouvidos. Nada lhe era ressoante aos ouvidos,
nem a grande chuva, nem a televisão ou até mesmo seu filho que passou correndo
por ele gesticulando como se dissesse algo, mas nada, nada se ouvia a não ser o
grito da sua alma que vociferava intensamente afagando todos outros ruídos a
sua volta.
Assentado
e com as mãos cobrindo os olhos, curva-se até os joelhos e chora clamando por
uma ingerência, uma intervenção Divina. De repente desperta de toda aquela experiência
com um toque e um chamado: Vovô, vovô. Levanta os olhos e vê um belo menino lhe
chamando para brincar, seu neto. Neto? Sim, percebeu que sua vida era passada,
que já não era mais jovem e o gosto amargo do dissabor lhe amargou a garganta,
ele só deu ouvidos ao clamor de sua alma depois de muitas primaveras de sua
vida. Pesaroso e cálamo pranteia a tempestade a qual se impôs. Mas como diz o
ditado: “Antes tarde do que nunca!” Mas melhor ainda é: ”Antes
cedo do que tarde!”
Miquéias de Castro
0 comentários: