4 de jan. de 2013

TEMPO


 
“LEMBRA-TE também do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento;” Ecl 12.1
 

Aquela era uma tarde não muito acolhedora. Depois de fazer um calor escaldante, quem experimentou que o diga, deu-se uma forte chuva, que, ao ver pela janela do 20º andar, onde morava não se percebia mais a rua, a famosa Barão de Jaguará, mas sim um grande rio calduloso e barrento que se formara.

Em outras épocas o pensamento seria: “Uma chuva como esta no fim de tarde é um convite a um cochilo”! Mas não esse dia. Com o olhar fito rua transformada em rio, seu coração estava apreensivo. Preocupado pelo fato das chuvas anteriores terem trazido junto a elas destruição, desabrigo, feridas, orfandade, choro e medo.

Sua tensão acrescia das manchetes vistas nos jornais, os alaridos dos amigos adicionavam àquele momento paúra e desconforto. Sua mente começou a se deslizar num conhecimento que não é normal ou comum a todos os seres viventes: o conhecimento da falibilidade, da fragilidade, da pequenez dos homens.

Entendeu que a vida estava presa por um fio na existência, fio esse tão tênue, delgado e quebradiço que a qualquer momento poderia se romper. Não, ele não estava com medo daquela chuva ou da avalanche de água barrenta que transformou sua rua em um rio ou até mesmo dos alaridos impetuosos dos trovões, seu temor se associava à existência, ou quem sabe a inexistência, ou ainda a incerteza de uma possível crença na realidade eviterna chamada vida eterna.

Persuadido a ausentar-se da janela, sua alma o arrebata para o silêncio da sala. Mas, aquele silêncio não era próprio da sala, pois nem mesmo a televisão que estava ligada não lhe era perceptível aos ouvidos. Nada lhe era ressoante aos ouvidos, nem a grande chuva, nem a televisão ou até mesmo seu filho que passou correndo por ele gesticulando como se dissesse algo, mas nada, nada se ouvia a não ser o grito da sua alma que vociferava intensamente afagando todos outros ruídos a sua volta.

Assentado e com as mãos cobrindo os olhos, curva-se até os joelhos e chora clamando por uma ingerência, uma intervenção Divina. De repente desperta de toda aquela experiência com um toque e um chamado: Vovô, vovô. Levanta os olhos e vê um belo menino lhe chamando para brincar, seu neto. Neto? Sim, percebeu que sua vida era passada, que já não era mais jovem e o gosto amargo do dissabor lhe amargou a garganta, ele só deu ouvidos ao clamor de sua alma depois de muitas primaveras de sua vida. Pesaroso e cálamo pranteia a tempestade a qual se impôs. Mas como diz o ditado: Antes tarde do que nunca!” Mas melhor ainda é: ”Antes cedo do que tarde!”
 
 
Miquéias de Castro

 

 

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